É possível e urgente contribuir para que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) se projete no futuro. Para bem da saúde e bem-estar de toda a população, da economia do país, da coesão social e da própria democracia.
A teia de fatores explicativos da situação atual é complexa, mas alguns são muito críticos. É nestes que importa atuar com mais determinação. Nos últimos anos foram produzidos suficientes diagnósticos para compreender as "causas das coisas" e ponderar caminhos desejáveis. Conviria que fossem analisados e compreendidos pelos decisores políticos e líderes sociais de todos os quadrantes, em todos os níveis - do central ao local. E, no seu essencial, por toda a sociedade. São milhares as páginas com contributos de centenas de especialistas em Saúde: os mais de 20 Relatórios de Primavera do Observatório Português de Sistemas de Saúde; os relatórios dos debates promovidos pela Fundação Calouste Gulbenkian em 2013/2014 resumindo na síntese Um Futuro para a Saúde - Todos temos um papel a desempenhar; as publicações, desde 2014, da Fundação para a Saúde - Serviço Nacional de Saúde (FSNS); e muitos estudos produzidos por centros de investigação.
No entanto, as dimensões científica e técnica são insuficientes. É necessário ativar as vertentes cívica, social e política. Cada uma delas, isoladamente, não conseguirá qualquer mudança eficaz num sistema de tão elevada complexidade. Porém, integradas e convergentes podem fazer a diferença.
No relatório recente OECD - Health at a Glance: Europe 2022 encontramos dados contraditórios. Em alguns indicadores, Portugal ocupa posições muito favoráveis no conjunto da União Europeia (UE). São exemplos, os internamentos por insuficiência cardíaca (1.º), por diabetes (4.º) por mortalidade evitável (10.º), em 27 países ou, ainda, por satisfação com a informação recebida do seu médico (1.º lugar) ou com o envolvimento nas decisões sobre os seus cuidados e tratamento (2.º lugar). Isto, com valores de despesa per capita, em paridade de poder de compra, bastante abaixo da média da UE. Ao mesmo tempo, ocupa posições desfavoráveis noutros indicadores. Este panorama sugere um sistema sem liderança conectiva, com ilhas de efetividade e qualidade elevadas num mar de descoordenação, fragmentação sistémica e relativo desgoverno. Os bons exemplos são, eventualmente, devidos a lideranças e a reformas parcelares inovadoras, porém inacabadas. Há, portanto, um caminho urgente e possível a fazer.
Entre 5 de junho e 14 de agosto de 2022, todos os domingos, ao longo de onze semanas, a FSNS e o Diário de Notícias produziram, em associação, uma série de artigos, entrevistas, podcasts e videocasts sobre as Teses para transformar o SNS. Com base nessas teses, decorreu em Lisboa, em outubro, uma Conferência de Consenso entre mais de 20 organizações cívicas e multiprofissionais. Foi identificada a necessidade de promover participação e mobilização da sociedade para o impulso transformador de que o SNS necessita, para responder melhor aos desafios, expectativas e necessidades de saúde atuais. Surgiu o projeto de realizar os Estados Gerais - Transformar o SNS, a lançar em 2023.
São necessários visão e planeamento estratégicos que ajudem à coesão, motivação e orientação do Sistema de Saúde. E, ao mesmo tempo, dar prioridade ao investimento nos pontos mais críticos que permitem maior retorno em saúde e bem-estar para todos, sem deixar ninguém para trás. A máxima prioridade deve ser dada às pessoas, aos doentes e aos profissionais e equipas, com medidas práticas precisas. A determinação constitucional de o SNS ter uma gestão descentralizada e participada deve tornar-se realidade. Também devem ser reequacionadas as "arquiteturas" do Sistema de Informação e da governação em Saúde, desenvolvendo a quase inexistente governação clínica, no âmbito de uma governação integrada com princípios e práticas da subsidiariedade. Isto é, as decisões devem ser tomadas onde tiverem mais qualidade e impacto local e/ou geral.
São estes os propósitos orientadores dos Estados gerais - Transformar o SNS - parceria entre um vasto conjunto de organizações cívicas, sociais e profissionais, inclusiva de todos os contributos e vontades que desejem convergir nesta mobilização pela saúde de todos e pelo SNS. A primeira Conferência decorrerá no Porto, no próximo dia 11 de fevereiro, no Salão Nobre do Complexo ICBAS/Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto. As inscrições estão abertas a quem quiser participar https://forms.gle/7yxUJEGkNB24cTCe7 .