
Fatores críticos de sucesso num centro hospitalar – o caso do Hospital de S. João
Lembro-me do título do meu livro de História do 6º ano, "Conhecer o Passado para Compreender o Presente". Aos 11 anos, confesso, não compreendi todo o alcance da mensagem, nem adivinharia o sentido que me faria ao recordá-la passados mais de 40 anos.
O Centro Hospitalar Universitário de São João E.P.E. (CHUSJ) é um organismo vivo para o qual olhamos, hoje, com inegável orgulho nacional. Resultado de um trabalho e dedicação diários de mais de 6400 colaboradores, apresenta indicadores e resultados de relevância para o nosso Serviço Nacional de Saúde.
Com uma produção anual de mais de 830.000 consultas externas, com todos os seus doentes inscritos em lista de espera há menos de um ano; com uma atividade cirúrgica programada que aumentou 37% de 2018 para 2022, superando as 50.000 cirurgias/ano e responsável por 17% da atividade cirúrgica da região norte e 8% da nacional.
No que respeita a valores da demora média do internamento e aos gastos operacionais por doente padrão, em benchmarking com outros hospitais do mesmo grupo, o CHUSJ é aquele que apresenta menor demora média de internamento e menores custos por doente padrão.
Durante a pandemia por COVID19, e também por força desta, em 2020 a «Marca São João» liderou o ranking de relevância em responsabilidade social das marcas; e nos anos 2021 e 2022, foi considerada a marca de saúde pública portuguesa com melhor reputação.
Agora, para compreender este "Presente", o que foi crítico e determinante no "Passado"?
Em 2005, foi alterado o estatuto jurídico do Hospital São João para Entidade Pública Empresarial. Consequentemente foi aberta a integração de ferramentas de gestão empresarial que permitiram agilizar áreas até então rígidas, anquilosadas, tais como a contratação de recursos humanos, a estrutura e a organização da gestão e autonomia na área dos investimentos.
Com elevada aceleração, o hospital efetivou em 2006 uma nova estrutura interna das áreas clínicas, organizadas em Unidades Autónomas de Gestão, como nível intermédio de gestão. Simultaneamente, profissionalizou a gestão hospitalar através da contratação de administradores hospitalares para integrar os conselhos diretivos dessas Unidades e reforçou a contratação de técnicos superiores com formação nas áreas da economia e da gestão.
O investimento na contratação de profissionais qualificados e experientes do setor empresarial para as direções de Serviços Não Clínicos foi possível dada a existência na altura de flexibilidade de negociação salarial nessas mesmas contratações, tendo a instituição conseguido ser competitiva com os restantes setores.
A contratualização interna estava lançada por estes atores em estreito trabalho em equipa com os profissionais de saúde, acompanhada pela exigência da sua monitorização e acompanhamento em proximidade do core da atividade hospitalar, os Serviços Clínicos.
Rapidamente o caos se instalou! As múltiplas bases de dados que existiam, algumas hermeticamente "fechadas" nos Serviços Clínicos, diferentes informações de diferentes fontes sobre a mesma realidade, tornava estéril o diálogo da monitorização e acompanhamento da atividade. Tal precipitou a necessidade absoluta e a concretização de um salto gigante nas tecnologias de informação, a aposta no Business Intelligence. Para além dos ganhos na uniformização da informação por todas as estruturas da instituição e na integração da informação clínica e não clínica, tornou-se possível a tomada de decisão verdadeiramente atempada.
Ainda em matéria de reorganização dos processos internos, destacou-se a constituição de "internamento único" nas áreas da medicina e da cirurgia permitindo uma gestão de camas/vagas centralizada e mais eficiente. Este processo dinâmico de gestão de admissões associada a uma gestão diária de altas com equipas multidisciplinares dedicadas, contribuiu para: menor demora média do internamento; melhor rentabilização das camas hospitalares; maior rotatividade das mesmas; e, consequentemente aumentar o número de doentes internados e/ou intervencionados.
No Serviço de Urgência, em 2005, intensificou-se a aposta no modelo dedicado das equipas que se iniciara em 2003. Em 2008, destacou-se ainda a participação do hospital na criação da Urgência Pediátrica Integrada do Porto. Ambos os modelos organizativos promoveram uma melhoria na resposta assistencial, com melhor rentabilização dos recursos humanos e uma forte aprendizagem em matéria de articulação com outros níveis de cuidados e com os hospitais da região.
Estes fatores foram ganhando maturidade, consistência e integrando a cultura da organização, durante mais de uma década.
O contexto político-económico do país que se seguiu e que consistiu na vivência de fortes restrições orçamentais, falta de investimento quer em infraestruturas quer em equipamentos e até mesmo na área dos recursos humanos, traduziram-se num fortíssimo impacto na perda de competitividade da instituição e da motivação dos profissionais de saúde.
Em 2019, iniciou-se um novo ciclo de gestão com definição estratégica plasmada no Plano de Atividade e Orçamento para o triénio e com forte estruturação de um plano de investimentos plurianual. Foi dada continuidade à consolidação e expansão dos Centros de Referência como estratégia de diferenciação clínica e de qualidade assistencial. Os Centros de Responsabilidade Integrada foram assumidos como um importante mecanismo de melhoria da resposta assistencial em áreas problemáticas através de incentivos associados à produção e qualidade do trabalho das equipas.
Em matéria de gestão de recursos humanos procuraram-se "as pessoas certas para os lugares certos", com elevado compromisso com a instituição, no que diz respeito a Direções de Serviço com mérito amplamente reconhecido. Foi alimentada uma cultura de escuta ativa de todos, sendo o Conselho de Administração visto como sendo uma equipa que assume os problemas, procura em conjunto soluções e catalisa a sua implementação efetiva e rápida. Associado a este aspeto promoveu-se uma cultura de feedback, procurando a divulgação permanente e para toda a comunidade hospitalar de planos, de decisões e de resultados.
A par de uma comunicação interna cuidada desenvolveu-se um plano consistente e forte de comunicação externa. Sabíamos quão importante seria dar a conhecer o trabalho desenvolvido pelos colaboradores do CHUSJ à comunidade, como meio para aumentar a sua confiança e perceção positiva.
Com os olhos postos no futuro, temos presente que o maior desafio consistirá na adoção de estratégias que nos levem a níveis de satisfação dos nossos profissionais que os consigam motivar e manter em identidade com a nossa instituição.
*Vogal Executiva do Conselho de Administração do Centro Hospitalar Universitário São João E.P.E.