Um louvável exercício de cidadania responsável, que não esqueceu os debates sobre as necessidades dos mais velhos, a demência e outros assuntos tantas vezes relegados para segundo plano, como se não pertencessem a uma espécie de primeira liga da medicina."
Diário de Notícias 24.05.2022
A próxima pandemia pode ser mental?
Das poucas coisas boas que a pandemia nos trouxe, uma delas foi o recentrar do papel da saúde, e em particular do Serviço Nacional de Saúde (SNS), nas nossas vidas e no país. Hoje e sempre é necessário proteger e promover a saúde ao longo do percurso de vida e atender às dinâmicas que daí resultam em termos pessoais e profissionais. Os comportamentos, os percursos de vida, o envelhecimento fazem parte da equação.
Como referiu recentemente o primeiro-ministro, António Costa, o país vive um "inverno demográfico", e, por muitas medidas que possam ser tomadas em prol da natalidade e da família - a meu ver, deveriam ser mais medidas e mais efetivas -, esta é uma realidade com a qual teremos de lidar nas próximas décadas. O processo de envelhecimento, as dependências e as fragilidades a ele associadas, tanto físicas como mentais, requerem novas respostas, que integrem abordagens holísticas e não engavetadas ou espartilhadas. Somos um só ser, não dois ou três em quintinhas, separados por cercas mentais ou físicas.
Temas como estes foram ontem discutidos na conferência "Transformar o SNS - 10 Teses para a Mudança", organizada pela Fundação para a Saúde - FSNS, uma iniciativa da sociedade civil, independente de qualquer entidade pública ou privada, que tem como objetivo trabalhar em estreita colaboração com as autoridades de saúde para assegurar o bom exercício da sua missão - a proteção e a defesa do SNS. Um louvável exercício de cidadania responsável, que não esqueceu os debates sobre as necessidades dos mais velhos, a demência e outros assuntos tantas vezes relegados para segundo plano, como se não pertencessem a uma espécie de primeira liga da medicina.
Harmonizar as necessidades, as expectativas e as aspirações das várias gerações será outro enorme desafio em termos de saúde e coesão social. À medida que a esperança média de vida se alonga, mas também a idade da reforma aumenta, intensifica-se a urgência de olhar e definir políticas públicas que acautelem preocupações como estas. Afinal, nenhuma geração quer ser deixada para trás. E a saúde é um direito cívico, humano, fundamental e democrático do qual os portugueses não quererão, certamente, abdicar.
Nos últimos dois anos, as respostas dos serviços que tratam de cuidar e salvar têm estado mais focadas no combate à covid-19, às novas variantes da Ómicron e à gripe, que regressou em força, mas a próxima pandemia no país e na Europa poderá ser a do envelhecimento e da saúde mental, se não a tratarmos preventivamente e desde já.