Em parceria com o Diário de Notícias a FSNS divulga o Projeto Transformar o SNS - 10 Teses para a mudança

Tese I - Gestão da Mudança

Transformar o SNS – necessidade de gerir um processo de mudança

Nas últimas décadas têm-se acumulado problemas no Serviço Nacional de Saúde (SNS) e o mais gravoso é o da dificuldade de acesso atempado aos cuidados de saúde necessários, minando o direito à proteção da saúde, indissociável do direito à vida e ao bem-estar. Esta dificuldade atinge em especial os mais vulneráveis, gerando desigualdades evitáveis e injustas - iniquidades que comprometem a qualidade da democracia e a coesão social. É patente a dificuldade em alterar esta situação, que se arrasta e agrava há anos. As políticas sectoriais, imediatistas e desligadas reforçam a manutenção de um status quo que ninguém deseja, mas que tarda em mudar. O sistema de saúde e o SNS estão em crise profunda.

Chegámos a um ponto em que pouco serve acrescentar mais recursos a um sistema distorcido e disfuncional. É necessário transformá-lo. Esta necessidade tornou-se mais evidente com a pandemia COVID-19 e suas consequências e oportunidades, incluindo o PRR, bem como com as aprendizagens feitas.

É necessário gerir um processo de mudança marcado por políticas públicas que abranjam os principais determinantes da saúde e os sectores mais decisivos para tal mudança. Isto já foi dito e redito em diversos relatórios. É o caso do Relatório da Pan-European Commission on Health and Sustainable Development, de setembro de 2021 - que preconiza a convergência entre chefia de governo e os sectores das finanças, economia, saúde, social e tecnologia. Especialmente relevante é a abordagem One Health - interconexão entre saúde humana, saúde animal, ambiente, biodiversidade, clima e planeta. O atual contexto europeu, desde a carência de matérias primas à inflação e ao rearmamento, veio colocar mais dificuldades em todo este processo.

Estão feitos vários diagnósticos de situação e do que é necessário mudar na Saúde. Nem todos apontam no mesmo sentido e alguns podem conflituar com o interesse público e o bem comum. Mas não é possível manter a atual situação de desacerto entre os atuais modelos de governação, de organização e de estagnação transformativa e as necessidades, expectativas e desafios da sociedade atual. É necessário reverter uma situação que, a continuar entregue a si própria, apesar da injeção de mais recursos, pode levar ao desperdício desses recursos.

O tempo escasseia para desencadear um processo de mudança adaptativa no sistema de saúde e no SNS. Governar a saúde é muito difícil, mas gerir efetivamente uma mudança estrutural ainda o é mais. Não basta ter uma visão clara sobre o que se pretende alcançar e o que é necessário mudar, é necessário gerir essa mudança, manejando eficazmente instrumentos que permitam ativar talentos e vontades, alinhar perspetivas, tanto a nível central como a nível local, superando inércias e resistências. Requer-se, naturalmente, capacidade para revisitar e analisar experiências e percursos anteriores, aprendizagem com experiências vividas e avaliadas e evitar recomeçar repetidamente do "zero".
Serão necessários um plano estratégico para conduzir a mudança e uma equipa dedicada a esta missão. A mudança num sistema complexo não se faz com modelos de "comando-controlo" e nunca "de uma vez por todas". Será necessário envolver e interagir com um universo de atores, acolhendo e estimulando a sua participação, a todos os níveis, com especial atenção ao nível local e ao enquadramento e formação das lideranças atuantes a esse nível, que é onde acontecem as coisas verdadeiramente importantes. O desenvolvimento de redes de proximidade favorece a emergência de lideranças facilitadoras da mudança desejada, embora seja também necessário um enquadramento inspirador e orientador de âmbito geral e central, que permita coerência e alinhamento de ações em todo o país.

O projeto "Transformar o SNS" propõe-se colaborar neste processo, contribuir para um debate prospetivo, focado, convergente e colaborativo sobre o necessário processo de mudança. Conta com organizações ligadas à cidadania em saúde, aos cuidados de saúde primários, aos hospitais, à Saúde Pública, às autarquias, às associações de estudantes da saúde, entre outros -- visando aprofundar teses para a mudança e propor objetivos concretos alcançáveis e observáveis.

As transformações adaptativas num sistema social complexo, para além da incorporação de meios e de recursos materiais, requerem informação, conhecimento, inteligência colaborativa e sabedoria sistémica. Como sublinha David Hunter (2018): "Num sistema complexo, a mudança é necessariamente adaptativa - no início do processo não há uma solução pré-definida. Ela emerge no decurso do processo de mudança".

Será impossível mudar o SNS como um monobloco e muito menos por "decreto-lei". Por isso, é indispensável ativar forças de transformação, participação e compromissos responsáveis a todos os níveis - aceitando diferentes ritmos de concretização da mudança nas várias comunidades, redefinindo e reforçando as relações de proximidade, com gestão colaborativa, em rede, e assegurando que todos prosseguem o caminho desejado. Ao mesmo tempo, é necessário monitorizar os progressos, com afinação das ações, em direção aos objetivos desejados. Tal requer igualmente avaliar os resultados de Saúde conseguidos e seus impactos no bem-estar das pessoas.


Ex-ministra da Saúde Médico.

professor na Escola de Saúde Pública

https://www.dn.pt/opiniao/transformar-o-sns-necessidade-de-gerir-um-processo-de-mudanca-14916570.html


SNS: "A trave-mestra da democracia". Veja o videocast/podcast

Construir e devolver ao Serviço Nacional de Saúde aquilo que é o seu bom nome enquanto instituição e construtor da coesão social, numa altura em que sobre ele paira um conjunto de ameaças, é a proposta da Fundação para a Saúde - FSNS.

Num projeto que se propõe identificar dez teses para a mudança, que darão origem a um conjunto de objetivos e de metas cuja implementação será posteriormente monitorizada de forma periódica, a Fundação para a Saúde - FSNS, uma iniciativa de cidadania da sociedade civil, independente de entidades públicas ou privadas, tem como propósito "colaborar com as autoridades de saúde e assegurar o bom exercício da missão de proteção e defesa do SNS", disse Constantino Sakellerides durante a conferência de apresentação, que decorreu recentemente em Lisboa.

Com vista a sensibilizar a opinião pública, e a esclarecer ao que se propõe este movimento de cidadãos ligados a diferentes vetores da saúde e da Academia, o projeto terá agora, ao longo de várias semanas e em parceria com o Diário de Notícias, um conjunto de podcasts que abordarão cada uma das 10 teses. O primeiro, sob o tema "Gestão da mudança no sistema de saúde" pode ser visto e ouvido a partir de hoje AQUI:

"Quando as democracias e os sistemas sociais complexos se complexificam, naturalmente, o risco da sua desintegração também aumenta, e é nesta perspetiva que gostaríamos de ajudar, quer os governos, quer o tecido social e as organizações", explica Victor Ramos. Para o médico e professor na Escola de Saúde Pública, que é também o presidente Fundação para a Saúde SNS, 42 anos depois da criação do Serviço Nacional de Saúde, é preciso olhar para trás, aprender com os erros e melhorar aquilo que deu provas de funcionar. A gestão da mudança é, na sua opinião, o maior desafio, pela complexidade que exige, mas é também a única forma de garantir a sua sobrevivência a longo prazo. "O SNS tem de ser, e é sempre, uma trave-mestra na nossa democracia", acrescenta Maria de Belém Roseira. Aliás, recorda, é a instituição que os portugueses consideraram mais importante num estudo recente. "Queremos que o SNS reganhe essa sua primazia enquanto indicador dos direitos fundamentais e, sobretudo, enquanto instituição forte, robusta, reconhecida, e a cumprir o seu papel na sociedade portuguesa", reforça a ex-ministra da Saúde, salientando ainda que não existe um bom país nem uma boa democracia sem instituições fortes e capazes.

Questionados sobre se este é o momento certo para iniciar uma transformação profunda no sistema, são unânimes na resposta. "É fundamental agora que está tão ameaçado por um percurso e conjunto de tensões a que tem estado sujeito", afirma Maria de Belém. Na realidade, a ex-ministra defende que esta transformação sempre fez sentido, no entanto reconhece que depois da pandemia se tornou mais urgente. "A pandemia provocou tensões e as tensões provocam, por vezes, ruturas e é preciso resolver isso". Nos últimos dois anos, a articulação com a segurança social revelou falhas e desvendou problemas graves ao nível dos recursos humanos, que "são peça fundamental do sistema".

Mais do que injeções financeiras no sistema, Victor Ramos e Maria de Belém defendem a importância de uma boa organização, pautada por um planeamento que garanta a melhor utilização dos recursos disponíveis, que são escassos. Defendem também um trabalho no terreno, articulado, desenvolvido em parceria com todas as "peças" deste gigantesco puzzle que é o setor da saúde. "Num país que tem uma cultura de tanta centralização, é preciso reconhecer que, por vezes, as soluções mais criativas e mais interessantes partem de baixo para cima", aponta Maria de Belém.

https://www.dn.pt/sociedade/sns-a-trave-mestra-da-democracia-veja-o-videocastpodcast-14916937.html