Em parceria com o Diário de Notícias a FSNS divulga o Projeto Transformar o SNS - 10 Teses para a mudança
Tese VI – O futuro das profissões de saúde com Constança Nunes e Vasco Cremon de Lemos
O futuro das profissões de saúde
Para nós, estudantes, o SNS, para além de ser uma entidade prestadora de cuidados, é também sinónimo de formação, sendo através dele que ocorre grande parte da nossa formação enquanto estudantes e futuros profissionais de saúde.
Desta forma, é uma grande preocupação para os estudantes as condições futuras que os esperam, nomeadamente a carga laboral, a formação contínua, a progressão na carreira e os retributivos justos. Ainda assim, os estudantes olham para o SNS com bons olhos, com olhos carregados de esperança de que as coisas mudem e, portanto, não fogem destas preocupações, escolhendo grande parte deles, continuar a trabalhar, lado a lado, com o SNS e a lutar por melhores condições de trabalho.
Quanto ao Futuro? Para nós o futuro é ter um SNS que valoriza e dignifica todas as profissões que o integram sendo crucial abraçar o potencial dos seus profissionais e aproveitar e desenvolver os seus talentos."
A Educação é um processo contínuo e em constante evolução, sendo necessário que exista, sistematicamente, uma atualização de conhecimentos para dar resposta às necessidades da população a que o SNS responde. No entanto, para que estas necessidades sejam supridas é necessário que exista uma retenção de profissionais de saúde no SNS, sendo isto apenas possível cumprindo os seguintes requisitos: recursos humanos capazes de dar resposta às necessidades dos serviços; condições de trabalho dignas que providenciem cuidados exímios; desenvolvimento das opções existentes na progressão da carreira; uma remuneração atrativa e justa face ao papel que é exercido diariamente. Estas são algumas das componentes fundamentais que atraem os estudantes de hoje que, posteriormente, serão profissionais de saúde motivados e reconhecidos, integrados no SNS.
Podemos chamar lacuna à falta de planeamento de recursos humanos que existe nos cuidados de saúde e que impede que se consigam atingir várias frentes, nomeadamente no que diz respeito à formação contínua acreditada, impedindo que se mantenha a qualidade do ensino, característica no nosso país. Assim, é com muitos bons olhos que vimos o Despacho n.º 6417/2022, de 20 de maio, que define os eixos estratégicos da política de recursos humanos do Serviço Nacional de Saúde e que cria os respetivos mecanismos de operacionalização. No entanto, deixamos a ressalva de que é fundamental passar do papel à prática.
Mais ainda, reforçamos que é visível, aos olhos de toda a população portuguesa, o aumento da taxa de emigração por parte dos profissionais recém-licenciados. Esta situação advém, em grande parte, da falta de condições e valorização necessárias para exercer as funções expectáveis, em contraste com as ofertas e a proatividade na captação de médicos e de enfermeiros portugueses por parte desses países. Se esta situação se prolongar por muitos mais anos, acabaremos por assistir a um decréscimo de profissionais de saúde devido à procura de melhores condições e maior valorização encontradas nos restantes países.
Acreditamos que existem soluções essenciais e possíveis de monitorizar a curto ou médio prazo que cativem a integração e a presença em pertencer ao SNS. Nomeadamente condições de trabalho favoráveis quanto à progressão de carreira, remuneração, oportunidades de investigação, carga e condições de trabalho, segurança, recursos humanos e inovação. Os termos de contratação de profissionais de saúde para o SNS devem garantir e explicitar as condições necessárias para exercer a sua profissão. É também indispensável melhorar os rácios tutor-estudante, através do aumento do número de profissionais competentes para esse exercício, com a devida remuneração.
Destacamos ainda o papel preponderante da formação de Enfermagem e Medicina em Portugal, sublinhando que, tendo em conta a complexidade e particularidades destas formações, para manter a sua excelência é necessário que existam sempre dinâmicas de conversação, colaboração e atualização entre as Instituições do Ensino Superior e o SNS. Assim, esperamos que a nossa formação seja uma prioridade para que consigamos servir ainda melhor as populações, já que este foi um dos motivos que fez muitos de nós escolher o curso de Enfermagem ou Medicina, para estarmos ao lado de quem mais precisa, a apoiar os processos de saúde-doença, no início, ao longo e no final da vida, nos momentos mais felizes, mas também nos mais dolorosos. No entanto, para que isto possa acontecer, antes temos de ser valorizados, dignamente, como o exige a profissão.
Quanto ao Futuro? Para nós o futuro é ter um SNS que valoriza e dignifica todas as profissões que o integram sendo crucial abraçar o potencial dos seus profissionais e aproveitar e desenvolver os seus talentos. Só assim conseguiremos aumentar a qualidade e o número de profissionais e, consequentemente, melhorar a prestação de cuidados à população.
Constança Nunes é presidente da FNAEE
Vasco Cremon de Lemos é vice-presidente da ANEM
Estudantes veem futuro da Saúde em Portugal com apreensão
Mais de metade dos alunos de Enfermagem e Medicina pondera emigrar em busca de melhores condições de trabalho e os que pretendem ficar no país lutam para conseguir cumprir a meta para a qual estão a ser formados: cuidar das pessoas
O tema dos recursos humanos na Saúde tem preenchido as primeiras páginas dos jornais há várias semanas. Faltam profissionais de diferentes especialidades nas Urgências, de norte a sul do país, e os hospitais não conseguem completar as escalas de serviço. Férias, baixas por doença ou dificuldades em atrair e reter médicos, enfermeiros, assistentes e outros profissionais, estão a destapar novamente um problema que não é de hoje. Como veem os estudantes este panorama que, sem mudanças urgentes, terão de encarar quando terminarem a sua formação? Que opções têm pela frente? Constança Nunes, estudante de enfermagem na Escola de Enfermagem de Lisboa do Instituto de Ciências da Saúde (ICS), da Universidade Católica Portuguesa, e Vasco Cremon de Lemos, estudante de Medicina na Nova Medical School, da Universidade Nova de Lisboa, partilharam a sua visão do problema em mais um podcast Transformar o SNS, que pode ver e ouvir na íntegra no site do Diário de Notícias. Os dois estudantes são igualmente os autores de mais uma tese no âmbito do projeto que juntou o DN à Fundação para a Saúde - FSNS, desta feita sobre as Profissões da Saúde.
Em conversa com o Diário de Notícias, Constança e Vasco confessam que é com apreensão que olham para o panorama atual da Saúde e para o futuro que os espera. "Estamos a ser formados com o objetivo de cuidar das pessoas e isso não está a acontecer", afirma a estudante de Enfermagem, que é também presidente da Federação Nacional de Associações de Estudantes de Enfermagem (FNAEE).
"É muito assustador e vemos tudo com muita preocupação", acrescenta o estudante de Medicina e vice-presidente da Associação Nacional de Estudantes de Medicina (ANEM), que recorda que não se trata de uma situação imprevisível, mas que reflete os avisos que a ANEM tem feito nos últimos anos. "Reflete uma falta de planeamento enorme que tem havido na Saúde e, de facto, esta não-retenção de profissionais de Saúde e estarmos com tanta dificuldade em ter profissionais de Saúde a fazer escalas, só reflete falta de planeamento".SUBSCREVER
Mas, na perspetiva dos estudantes, faltam ou não médicos no SNS? "Faltam médicos especialistas", diz Vasco Cremon de Lemos. E porquê? "Só após o internato é que somos médicos especialistas e é importante reforçar que para entrar na carreira médica é obrigatório ser médico especialista. Um médico que não tenha ingressado na especialidade, não pode aceder à carreira médica", explica.
Não podemos exigir a nenhum profissional de Saúde um cuidado exímio se não lhe dermos condições para trabalhar
E aqui é está o problema. Segundo o futuro médico, que ambiciona ser oncologista e trabalhar em Portugal, o SNS assenta sobretudo em médicos especialistas, o que inclui a Medicina Geral e Familiar que, muitas vezes, não é vista como especialidade, mas cujos médicos são tão especialistas como os outros.
"E são esses médicos especialistas de que falamos que faltam no SNS", salienta Vasco Lemos. "Aqui os problemas já passam pelo acesso a essa especialidade, porque quando pensamos que temos mais médicos a entrar no concurso do que médicos a poder ingressar na especialidade, temos um funil". Há médicos, garante o estudante, que não conseguem aceder à especialidade e que repetem a prova ano após ano.
Na área da Enfermagem os problemas são semelhantes. O primeiro passo na carreira é, durante dois anos, o trabalho como enfermeiro de cuidados gerais e só depois é possível investir na especialidade. Segundo Constança Nunes, o problema não é aceder à profissão, mas a falta de condições generalizada de trabalho.
"Não podemos exigir a nenhum profissional de Saúde um cuidado exímio se não lhe dermos condições para trabalhar". Como é possível cuidar de alguém se a profissão não é valorizada, questiona a futura enfermeira. E, na sua opinião, este é o principal fator que leva as pessoas a emigrar. "É assustador pensar como é que temos uma formação tão boa e tão qualificada, mas que não é aproveitada pelo nosso país", reforça.
Na ANEM, num estudo recente realizado junto dos estudantes de Medicina concluiu que mais de metade dizem considerar a emigração como uma necessidade, mais do que por quererem essa experiência. A solução para estes problemas, reitera Vasco Cremon de Lemos, passa pelo planeamento dos recursos humanos. "Planear recursos humanos é também planear as condições das pessoas e dos profissionais de Saúde", defende.
O primeiro passo seria, na perspetiva do vice-presidente da ANEM, fazer o inventário nacional de profissionais de Saúde, uma estrutura que existe definida na lei desde 2015, mas que passados sete anos continua a estar apenas no papel.