Em parceria com o Diário de Notícias a FSNS divulga o Projeto Transformar o SNS - 10 Teses para a mudança
Tese VII – Inovação tecnológica e processos de mudança com José Aranda da Silva e Inês Teixeira
Inovação tecnológica e processos de mudança
A inovação tecnológica tem contribuído de forma decisiva para ganhos em saúde e bem-estar para a população, sendo necessário incorporar no Sistema de Saúde a sua utilização de forma racional e baseada na melhor evidência científica disponível.
Recordemos que as Tecnologias de Saúde se enquadram num mercado global de despesas de saúde que representa 10% do PIB da União Europeia (Regulamento EU 2021/2282 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15/12/2021).
São diversas as Tecnologias de Saúde. As mais referidas são os medicamentos e os dispositivos médicos, onde se inclui desde a máscara, o bisturi, até aos grandes equipamentos de imagiologia a tomografia computorizada (TAC) e os sofisticados aparelhos que executam múltiplas análises clínicas simultaneamente. Uma das características que as distingue de outras áreas é que, em grande parte, no momento da inovação, não se efetua a substituição da antiga tecnologia que, em muitas circunstâncias, continua a ser utilizada com utilidade. Medicamentos com mais de 30 anos continuam a ser utilizados na maioria da população com efetividade, mesmo havendo outros mais modernos e inovadores. Destacam-se, ainda, as intervenções em saúde, como as intervenções para aumentar a adesão e modificar comportamentos, fisioterapia e reabilitação para populações envelhecidas, ou outras tecnologias para potenciar comportamentos de prevenção ou aplicadas a literacia e promoção em saúde.
A sua renovação constante e custos associados exigem que os decisores tenham elementos que lhes permitam tomar decisões sustentáveis. Aos ensaios clínicos e estudos de avaliação económica para apoiar a tomada de decisão, acresce desenvolver e incorporar novas formas de geração de evidência, que revelaram ser, ainda, mais importantes durante a pandemia. Os dados e estudos de mundo real permitem, de forma complementar, avaliar a efetividade das Tecnologias de Saúde e ajudar a identificar lacunas nos cuidados de saúde de forma mais eficaz, envolvendo os profissionais e doentes. É primordial acelerar a promoção de melhor acesso a dados de saúde, aproveitando as potencialidades da inteligência artificial, para apoiar a prestação de cuidados de saúde e eliminar desperdício, mas também para fins de investigação e de elaboração de políticas de saúde.
Cerca de 80% dos medicamentos utilizados são medicamentos essenciais com vários anos no mercado e que constituem cerca de 20% da despesa. A saúde é um mercado com características diferenciadoras de outros setores, que resultam na necessidade de uma maior regulação do Estado, por exemplo, para que os medicamentos essenciais se mantenham no mercado, investigando e inovando com novas indicações terapêuticas, mas também atribuindo-lhes valor. O que aconteceu durante a pandemia com a falta de determinados medicamentos essenciais que tinham sido abandonados, foi um alerta.
É necessário criar condições para que, nas estruturas do Serviço Nacional de Saúde (SNS), seja possível desenvolver investigação associada às novas tecnologias, cujos resultados contribuam para o melhor conhecimento da sua utilização e melhor acesso. Também é fundamental a gestão nacional da utilização dos dispositivos médicos, através de registo permanentemente atualizado e mapeamento de preços, nomeadamente os equipamentos existentes nas diversas infraestruturas do SNS.
É imprescindível perspetivar uma regulação eficiente, que permita decidir pela melhor evidência disponível, com o aumento de fontes de informação clínica e de dados que permitam uma monitorização dos resultados em saúde, com centralidade no doente, com maior rigor na avaliação através da demonstração de valor e com novos modelos de pagamento integrados e transparentes. As novas regras exigidas por diversa legislação europeia publicada nos últimos dois anos, sobre ensaios clínicos, avaliação de medicamentos e dispositivos médicos, exigem adequada resposta a nível nacional. Portugal não pode perder capacidade de intervenção ativa, adquirida nos últimos 30 anos pelos seus peritos, nas diversas agências científicas da União Europeia, nomeadamente na Agência Europeia do Medicamento.
A governação do acesso às novas tecnologias deve basear-se em critérios transparentes, que permitam decidir pela melhor evidência disponível, sem esquecer a questão basilar da equidade, tema com crescente relevância com a pandemia, para abordar as disparidades, nomeadamente em termos de acesso.
Neste contexto, é necessário considerar a importância da redução do tempo de avaliação para disponibilidade do medicamento junto do doente, bem como da dispensa de medicamentos de regime ambulatório hospitalar em proximidade, com centralidade na pessoa. "A melhoria do acesso ao SNS passa também pela diminuição de barreiras ao acesso, designadamente barreiras financeiras, geográficas, administrativas e até de literacia", como está inscrito no programa do atual governo.
No sentido de transformação do SNS para acompanhar as alterações nas áreas que analisámos propomos:
• um novo estatuto para o INFARMED, atribuindo características de entidade reguladora ou equivalente, modernizando a sua organização e permitindo recrutamento de técnicos e peritos de diversas áreas científicas que possam responder aos novos desafios europeus na avaliação de Tecnologias da Saúde;
• melhorar a acessibilidade às tecnologias, diminuindo o tempo de avaliação e disponibilização, aproximando da pessoa com doença a dispensa de medicamentos, através da farmácia comunitária, até aqui reservados a dispensa hospitalar.
José Aranda da Silva é farmacêutico militar e membro do conselho-geral da Fundação para a Saúde - FSNS
Inês Teixeira é economista no Centro de Estudos da Avaliação em Saúde da Associação Nacional de Farmácias
Inovação e tecnologia são garantia de ganhos na área da Saúde
A inovação tecnológica tem de ser vista não como um custo, mas como um investimento, pois contribui ativamente para ganhos em Saúde, de longevidade, de qualidade de vida, e para o bem-estar da população. No entanto, é preciso garantir que chega aos doentes com rapidez e que a investigação nacional é incentivada e valorizada.
Fruto da pressão da pandemia sobre os sistemas de saúde em todo o mundo - e na Europa em particular - o novo regulamento europeu, publicado no final de 2021, reconhece que o desenvolvimento das tecnologias em Saúde é um motor fundamental de crescimento económico e de inovação, sendo essencial para alcançar um elevado nível de proteção da saúde.
"As tecnologias, se bem utilizadas, trazem grandes ganhos em saúde", disse ao DN José Aranda da Silva. O farmacêutico militar e membro do conselho-geral da Fundação para a Saúde - FSNS recorda, por exemplo, ganhos como a esperança média de vida, os antibióticos ou as vacinas, muito impactados pelas tecnologias.
Mas falar de tecnologias da saúde vai muito além das mais visíveis, como as aplicações informáticas ou os equipamentos robóticos e ultra tecnológicos. Dispositivos médicos, aparelhos de diagnóstico, mas também medicamentos, resultam de prolongada investigação e de processos inovadores que garantem ganhos no diagnóstico e no tratamento dos doentes, e são inovações que é preciso saber integrar no sistema de saúde.
Se não forem feitas alterações a nível da entidade reguladora, o Infarmed, arriscamo-nos a perder o comboio que apanhámos há 30 anos, do prestígio.
Por um lado, defende Inês Teixeira, economista no Centro de Estudos da Avaliação em Saúde da ANF, e coautora da tese Inovação tecnológica e processos de mudança, desenvolvida no âmbito do projeto Transformar o SNS, a que o Diário de Notícias se associou, é fundamental identificar e avaliar as escolhas ao nível da tecnologia e da inovação; e, por outro, tal deve ser feito de forma clara e transparente. "Esta evidência deve ajudar a construir as políticas e a tomada de decisão para introdução desta inovação, sejam medicamentos, dispositivos médicos ou até a questão da intervenção em saúde", diz.
O processo de aprovação e de acesso a estas inovações terapêuticas é, contudo, ainda muito demorado. Em Portugal, a responsabilidade a este nível cabe ao Infarmed, que continua a ter períodos de aprovação muito superiores aos de outros países europeus. "Achamos que se em Portugal não forem feitas alterações a nível da nossa entidade a que chamamos reguladora, o Infarmed, arriscamo-nos a perder o comboio que apanhámos há 30 anos, o comboio prestigiante", reforça José Aranda da Silva.
Para o representante da Fundação para a Saúde SNS, mesmo internacionalmente, o Infarmed é considerado uma das entidades reguladoras que mais intervém no processo europeu do ponto de vista científico. Portanto, "é necessário, mas não foi alterado o seu estatuto ou a sua organização, e é preciso fazê-lo, senão perdemos esse comboio".
Investigação Made in SNS
A prestação de cuidados é a face mais visível do SNS mas, para José Aranda da Silva, a investigação tem de fazer parte da estrutura do sistema de saúde nacional. Numa altura em que tanto se fala na capacidade de atração e de retenção de recursos para o SNS, o desenvolvimento da investigação dentro do sistema seria, na opinião do ex-farmacêutico militar, um fator de motivação, mas também "um processo de aprendizagem dos profissionais, e uma forma de ter acesso às tecnologias o mais cedo possível, com a vantagem inequívoca para os doentes, do setor público e do privado, de ter acesso a tecnologias na fase de investigação".
Para tal é, no entanto, necessário criar estruturas organizadas, quer nos hospitais como ao nível dos cuidados primários, vocacionadas para coordenar a investigação. "Temos bons exemplos em Portugal, como o Hospital de Santa Maria, o IPO do Porto, ou o Hospital de São João", reforça José Aranda da Silva que, ainda assim, reconhece que ainda há um longo caminho a percorrer em Portugal.