Em parceria com o Diário de Notícias a FSNS divulga o Projeto Transformar o SNS - 10 Teses para a mudança

Tese IX – Gestão da Informação e do Conhecimento com António Pinho e Francisca Moutinho

Gestão da Informação e do Conhecimento

A experiência de jovens estudantes e futuros profissionais na área da Saúde assenta sobre uma interessante dicotomia. Por um lado, reflete a formação dos estudantes de Medicina, na qual está incorporado um crescente desejo de iniciação de utilização das ferramentas de informação desde muito cedo no nosso processo formativo (promovendo a discussão sobre o acesso ao registo clínico pelo estudante de Medicina). Por outro, representa o novo modelo de utente de saúde, acostumado a um mundo mais digital e com maior facilidade no acesso aos dados, com a subsequente necessidade de incorporarmos esse estilo de vida no que toca à nossa própria saúde.

Assim, o indivíduo terá de ser o foco na evolução dos cuidados de saúde, estando no centro das decisões e sendo proprietário da sua informação e dos seus dados. Cada vez mais a evolução da telemedicina e a agregação e uso de dados devem ser discutidos, regulados, mas sobretudo potenciados.

Se a pandemia que enfrentamos nos ensinou algo, é que os cidadãos, quando devidamente informados, são altamente capazes de serem gestores da sua saúde. Nos últimos dois anos, foi montada uma campanha de vacinação em que os utentes contribuíram ativamente e em massa para a sua concretização. Atualmente, podemos consultar à distância de um clique toda a informação que consta no Boletim de Vacinação, bem como os dados das nossas últimas consultas. A velha expressão dita que Informação é Poder, ora uma população informada é uma população mais saudável.

Não obstante às lições do passado, também o futuro demonstra a evolução da gestão da informação, particularmente em solo europeu, com a criação e apresentação do Espaço Europeu de Dados. Estando ainda a dar os primeiros passos, é uma iniciativa que habilitará os europeus a controlar e utilizar os seus dados de saúde no seu país de origem ou noutros estados-membros, promovendo um verdadeiro mercado único de produtos e serviços de saúde digitais ou físicos.

A congregação de milhões de dados de Saúde anonimizados de europeus permite que, ao invés da utilização de bases de dados de alguns milhares, seja possível conduzir estudos a nível europeu que se podem traduzir em verdadeiros progressos em matéria de Saúde Pública.

A noção de um espaço de partilha de dados europeu requer necessariamente uma meticulosa reestruturação a nível nacional. Em Portugal, ainda não está assegurada a partilha de informação clínica entre prestadores de cuidados de saúde, continuando a existir restrições no acesso aos dados de saúde e problemas na literacia sobre os direitos dos utentes, incluindo entre profissionais de saúde.

Subsistem obstáculos complexos que dificultam alcançar o pleno potencial da saúde digital e dos dados de saúde. Terão de ser ultrapassados constrangimentos relativamente à proteção de dados, a falta de articulação dos sistemas, lacunas formativas, entre outros, sendo necessário uma definição de uma arquitetura de sistemas de informação abrangente, comunicável e auditável, bem como a promoção de uma governação mais alargada e coerente.

Assim, de forma a antecipar estas contrariedades, devem ser asseguradas ações a nível político. Como ponto central, terá de ser garantida a acessibilidade aos vários dados, não só dentro do SNS, como também incluir os setores privado e social, sendo prioritário garantir a transmissibilidade de informação entre os cuidados primários e hospitalares e também entre unidades hospitalares, já que nem sempre está assegurada. Acoplado a esta recomendação, vem a necessidade da atualização e evolução dos serviços eletrónicos, com a colaboração de clínicos e entidades como a ACSS e SPMS, permitindo a criação de um Registo Eletrónico Único que uniformiza a informação, tornando-a mais acessível e de fácil compreensão e integração, sem comprometer a eficácia da prestação de cuidados.

A elaboração de legislação que regule a anonimização dos dados de saúde e os direitos dos cidadãos torna-se imperativa, sendo crucial assegurar a privacidade e a segurança digital dos cidadãos. Com a aprovação do Novo Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, ainda que as consequências práticas estejam a ser discutidas, é esperado que a saúde digital não seja esquecida e que haja uma monitorização e regulação efetiva sobre a infraestrutura tecnológica da Saúde que permita concretizar e solidificar todos os avanços relativos aos dados de saúde dos utentes.

Por outro lado, centrar a saúde no cidadão implica uma promoção eficaz de literacia em Saúde. Portugal deve adiantar-se e formar os seus cidadãos para que possuam as ferramentas necessárias para gerirem a sua saúde e os seus dados, permitindo que sejam tomadas decisões informadas aquando da sua colocação à disposição da investigação, da elaboração de leis ou da decisão clínica - só assim poderemos garantir uma potencialização dos cuidados de saúde em Portugal.

Numa Europa cada vez mais envelhecida, os desafios tecnológicos não podem ser ignorados. Mais do que regular e proteger dados, gerir informação em Saúde é promover a investigação e conhecimento, é dar acesso e controlo aos utentes e sobretudo, é centralizar a Saúde no cidadão, melhorando a eficácia na prestação de cuidados.

António Pinho é presidente da 2ª edição do curso de Gestão em Saúde do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS)
Francisco Mourinho é ex-presidente da Associação de Estudantes do ICBAS


Dados facilitam gestão da informação e do conhecimento na saúde

A tecnologia pode e deve ser um aliado na prestação de cuidados de saúde. Contudo, a componente humana e o contacto entre médico e utente não pode ser desvalorizado, nem perder-se na teia digital.

Queixas de utentes sobre o pouco tempo de consulta, a falta de atenção dos médicos, do computador que separa os clínicos de quem procura assistência, ou do tempo que o registo informático retira à conversa, essencial para o contacto e a sensibilidade - a base da Medicina - que levam a diagnósticos adequados, são frequentes entre a população. Culpa-se a tecnologia que é, frequentemente, responsabilizada por alguma desumanização na Saúde. Mas, afinal, os meios tecnológicos são facilitadores ou obstáculos na prestação de cuidados?

"A tecnologia é um grande aliado na Saúde", defende Francisca Moutinho, ex-presidente da Associação de Estudantes do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS). Para a coautora da tese Gestão da Informação e do Conhecimento, desenvolvida no âmbito do projeto Transformar o SNS, dinamizado pela Fundação para a Saúde - FSNS, a que o Diário de Notícias se associou, o uso eficaz da tecnologia traz enormes benefícios quer na prestação de cuidados, quer na gestão dos sistemas de saúde. "Os futuros gestores profissionais devem ser formados para ter uma visão diferente da tecnologia, adaptada à Saúde, de forma que possa ser feita uma utilização mais eficaz dos meios tecnológicos em prol dos utentes".

"A pandemia veio ensinar-nos muita coisa sobre como é possível aceder facilmente aos nossos dados", lembra Fancisca Moutinho, ex-presidente da Associação de Estudantes do ICBAS.

 No entanto, para que possa haver uma melhor gestão da informação e do conhecimento, a literacia em Saúde é um dos pontos-chave. Os cidadãos têm de estar mais informados para saber gerir melhor a sua saúde o que, na opinião de Francisca Moutinho, pode ser feito através de campanhas de informação massificadas. A vacinação contra a covid-19 é um dos exemplos que aponta: "A pandemia veio ensinar-nos muita coisa sobre como é possível aceder facilmente aos nossos dados".

Ao longo dos últimos dois anos, os portugueses em geral foram capazes de fazer a gestão da sua vacinação contra a infeção pelo vírus SARS-CoV-2 através de plataformas informáticas. Adicionalmente, hoje é possível ter acesso ao Boletim de Vacinas e a um conjunto de outras informações clínicas através da aplicação ou do portal SNS24. "Um primeiro passo para a meta de ter uma plataforma única a que o utente tenha acesso", diz Francisca Moutinho, o Processo Eletrónico Único e a interoperabilidade de sistemas de que tanto se fala.

Espaço Europeu de Dados acelera mudança

A colocação da Saúde, pela primeira vez, como uma prioridade ao nível da União Europeia (UE) é, na opinião de António Pinho, uma oportunidade para mudar e para acelerar a transformação digital do setor em Portugal, "fundamental para o país estar na frente da inovação". Para o presidente da 2.ª edição do curso de Gestão em Saúde do ICBAS e coautor da tese debatida no 10.º Podcast da série Transformar o SNS, disponível a partir de hoje no site do DN, o Espaço Europeu de Dados, "é um projeto ambicioso, mas que trará vários benefícios".

O objetivo passa por centralizar os dados de todos os cidadãos dos países da UE, para que possam ser utlizados com diferentes finalidades. Para o cidadão, exemplifica António Pinho, pode significar ter um atendimento idêntico em Serviços de Saúde de diferentes países sem necessidade de duplicação de exames, enquanto para a investigação pode significar a realização de melhores estudos, com informação mais credível. Por outro lado, abre-se a possibilidade de obter diagnósticos com opiniões de clínicos de outros países, com partilha de experiências que, em última instância, beneficiam o doente. "Quanto mais acesso a informação dispersa, melhores diagnósticos conseguimos, garantindo em simultâneo a poupança de recursos, e uma melhor gestão dos sistemas de saúde", salienta.

Contudo, para que os dados possam ser utilizados da melhor forma, é necessário garantir a sua privacidade e anonimização, e criar regulação que garanta uma eficaz gestão desta informação. "A transformação digital da saúde tem de ser feita com cidadão no centro, e vista como um meio e não um fim", aponta.

Já para Francisca Moutinho, este "empurrão" da UE na priorização da digitalização em Saúde poderá ajudar a tornar realidade em Portugal a questão da interoperabilidade dos sistemas de que há décadas se fala.

"Tem de haver uma indicação, por parte dos decisores, e ser uma prioridade", defende. No entanto, acrescenta que é necessário criar um sistema de governança em Saúde que permita perceber qual o melhor caminho, definindo a articulação entre os sistemas (privado, público e social) porque "os dados em Saúde são extremamente valiosos".

Veja o vídeo do debate em cima ou ouça o podcast: