Inovação tecnológica e processos de mudança
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A inovação tem contribuído de forma decisiva para ganhos em saúde nas diversas áreas, sendo necessário incorporar no sistema de saúde a sua utilização de forma racional e baseada na melhor evidência científica disponível. Recordemos que as tecnologias de saúde enquadram-se num mercado global de despesas de saúde que representa 10% do PIB da UE (Regulamento EU 2021/2282, de 15/Dezembro) e ocupam o segundo lugar a seguir às despesas com pessoal.
São diversas as Tecnologias de Saúde. As mais referidas são os medicamentos e os dispositivos médicos, onde estão incluídos desde uma máscara, o bisturi, até aos grandes equipamentos de imagiologia a tomografia computorizada (TAC), ressonância magnética nuclear (RMN) e os sofisticados aparelhos que executam múltiplas análises clínicas simultaneamente. Uma das características que as distingue de outras áreas é que, em grande parte no momento da inovação, não se efetua a substituição da antiga tecnologia que, em muitas circunstâncias, continua a ser utilizada e com utilidade. O Raio-X continua a ser utilizado como primeira linha, não sendo substituído por outras tecnologias mais modernas como a TAC. Medicamentos com mais de 30 anos continuam a ser utilizados na maioria da população com efetividade, mesmo havendo outros mais modernos e inovadores
Os dispositivos médicos incluem sofisticados e dispendiosos equipamentos, pelo que devem ser também sujeitos a avaliação, com introdução de orientações clínicas, para medição da sua efetividade, e económicas, adaptadas à natureza destas tecnologias.
Destacam-se, ainda, as intervenções em saúde, a título de exemplo, intervenções para aumentar a adesão e modificar comportamentos, ou outras tecnologias para potenciar comportamentos de prevenção.
A sua renovação constante e custos associados exigem que os decisores tenham elementos que lhes permitam tomar decisões racionais. Para além dos métodos de avaliação económica, baseados em investigação clínica, para apoiar a tomada de decisão, é importante desenvolver e incorporar nova formas de geração de evidência, que revelaram ser importantes durante a pandemia, sem descuidar a preocupação com o rigor científico (Real-World Evidence - Where Are We Now? | NEJM). Os estudos de mundo real (Real World Evidence) dos medicamentos e outras tecnologias permitem de forma complementar avaliar a efetividade das Tecnologias de Saúde.
É necessária uma infraestrutura e interoperabilidade dos dados de saúde. Cultura de comunicação e partilha de informação entre profissionais e diferentes níveis de prestação de cuidados de saúde, fomentando a comunicação entre sistemas. Muitos dados de mundo real podem ser úteis para complementar os dados dos ensaios clínicos, com informação adicional sobre o desempenho de uma tecnologia na prática clínica, ajudando médicos e doentes a praticar cuidados de saúde mais personalizados e melhorar os resultados em saúde. Devem ser desenvolvidas sinergias para mercado único digital nos domínios pertinentes de prestação de cuidados de saúde digitais e baseados em dados, com vista a disponibilizar evidências adicionais do mundo real (já previsto no Regulamento EU 2021/2282, de 15 de dezembro). Também é fundamental a gestão nacional e regional da utilização das tecnologias através do registo atualizado dos equipamentos existentes.
No caso dos medicamentos, cerca de 80% dos medicamentos utilizados são medicamentos essenciais com vários anos no mercado e que constituem cerca de 20% da despesa. Os restantes 20% correspondem a medicamentos inovadores mais recentes, que constituem 80% da despesa. Quando as leis do mercado falham em saúde, é necessária uma forte intervenção dos poderes públicos, para que os medicamentos essenciais se mantenham no mercado, investigando e inovando com novas indicações terapêuticas (repurposing) e acrescentando inovação tecnológica que melhore a adesão à terapêutica e segurança na utilização, mas também atribuindo mais valor a esses medicamentos. O que aconteceu durante a pandemia com a falta de determinados medicamentos essenciais que tinham sido abandonados foi um alerta.
A inovação baseia-se em estudos efetuados habitualmente pelos produtores faz tecnologias em diversos países que acabam por beneficiar dos resultados da investigação neles efetuada. É necessário criar condições para que nas diversas estruturas do Serviço Nacional de Saúde seja possível desenvolver investigação associada às novas tecnologias cujos resultados contribuam para o melhor conhecimento dessas tecnologias e melhor acesso.
As novas tecnologias, nomeadamente as aplicadas à digitalização, tratamento e comunicação de dados, os medicamentos e os dispositivos médicos, devem ser encaradas como instrumentos para melhorar a prestação de cuidados, a prevenção da doença e a melhoria dos níveis de saúde e bem-estar. A sua governação deve basear-se em informação científica e em critérios de avaliação transparentes, que permitam decidir pela melhor evidência disponível e não pela pressão dos fornecedores, ou de uma opinião pública influenciada pelos anseios dos doentes na resolução dos seus problemas.
O desenvolvimento de um espaço europeu de dados em saúde anunciado em 3/5/2022 pela Comissão Europeia é uma oportunidade que não pode ser perdida no contexto da utilização da inovação e avaliação das tecnologias da saúde (https://ec.europa.eu/health/ehealth-digital-health-and-care/european-health-data-space_pt). É primordial acelerar a promoção de melhor intercâmbio e acesso a diferentes tipos de dados de saúde para apoiar a prestação de cuidados de saúde e eliminar desperdício/duplicação de exames, mas também para fins de investigação e de elaboração de políticas no domínio da saúde, como verificado durante a pandemia. Estes dados podem, ainda, ajudar ao desenvolvimento de novos e revolucionários tratamentos, a fazer progressos na medicina personalizada, a formar ferramentas de saúde avançadas de inteligência artificial.
É necessário perspetivar uma regulação eficiente, com sistemas de informação mais eficazes que permitam uma monitorização dos resultados em saúde com centralidade no doente com maior rigor na avaliação através da demonstração do Valor Terapêutico Acrescentado (VTA), com possibilidade de utilização de modelos de pagamento transparentes, com o aumento de fontes de informação clínica e de dados que permite tomada de decisão baseada em evidência.
O reforço do cidadão no centro do sistema tem sido uma preocupação nos últimos anos, quer nacional com o crescente reconhecimento da sua importância no envolvimento na tomada de decisão em saúde (Projeto INCLUIR do INFARMED), que internacional (Regulamento EU 2021/2282, de 15/dezembro).
A equidade em saúde é um tema com crescente relevância (ainda maior com a pandemia) para abordar as disparidades, nomeadamente em termos de acesso, sendo necessário considerar a importância da redução do tempo de avaliação para disponibilidade do medicamento junto do doente e da dispensa de medicamentos de regime ambulatório hospitalar em proximidade, com centralidade na pessoa com doença.
O XXIII Governo Constitucional, no seu Programa do Governo para os próximos quatro anos (2022-2026), estabeleceu como um dos objetivos melhorar o acesso ao SNS “Ter direito à Saúde é ter acesso”, referindo que “A melhoria do acesso ao SNS passa também pela diminuição de barreiras ao acesso, designadamente barreiras financeiras, geográficas, administrativas e até de literacia”.